30 de maio de 2010

A teoria da perfeição absoluta

Há praticamente 10 anos, eu ainda iniciava minha jornada pelo caminho da ARTE, e algumas ideias começavam a borbulhar em minha mente. Uma delas tomou a forma desse texto. Foi escrito no período no qual este autor, então um jovem de vinte anos, buscava organizar o turbilhão de emoções e conhecimentos que começavam, ao desafiar os preceitos e paradigmas gerais, a fazer sentido.

Nunca imaginei, ao escrever este texto, que um dia ele viria a ser publicado - eu tentava apenas organizar essas noções para mim mesmo. Agora você poderá ler a teoria da perfeição absoluta, a mesma sequência de sincronicidade e "coincidências" que estava atuando ao escrever aquele texto continua em ação hoje, dez anos mais tarde, enquanto digito essas palavras...

O dia de ano-novo é um dia que nos ilumina com novas esperanças, incendeia nossas emoções e, portanto, exercita nosso raciocínio. Foi no Reveillon de 1989 para 1990, ou seja, no primeiro instante de uma nova década que, conversando com alguns amigos, uma velha ideia tomou forma: dei-lhe o ambicioso nome de teoria da perfeição absoluta. Como todas ideias, esta para mim muito clara. Porém, as palavras são traiçoeiras se não forem bem escolhidas, e podem levar nossas ideias para direções totalmente diferentes das que originalmente pretendíamos. Foi esse o motivo que me levou a tentar traduzir essa ideia em palavras, usando um recurso que minimiza os erros de interpretação: a escrita.

Portanto, vamos tentar. Comecemos com um pequeno show íntimo de striptease. Quem é que deve se despir? Nós mesmos! Calma, não é necessário desabotoar nada, pois é apenas um exercício de imaginação. Aliás, esse exercício é um aquecimento preliminar, pois nossa imaginação e figuração serão bastante simuladas ao decorrer da escrita.

Preparados? Ótimo. A primeira peça que devemos tirar é esse pesado casaco que representa todas as verdades que conhecemos. Já tiraram? Bem...mais o leitor verá que não é tão simples assim, pois logo estará buscando inconscientemente o confronto que esse casaco proporciona. Mais isso é mais adiante...coloca então o casaco nesse cabide ao seu lado deixe-o lá. Prometa que não o procurará novamente até o fim do texto...

Para que se tenha uma ideia do que esse casaco representa, imagine-se agora no mundo em que não exista a noção de bem e mal, de certo e errado, de bom e ruim. Quando você tirou o casaco, pendurou no cabide todos esses preceitos que, de certa forma, já fazem parte de nosso inconsciente. Baseados em que não há noção de bem ou mal, não há também noção de paraíso ou inferno, anjo ou demônio, deus ou Diabo. Teríamos então que escolher entre o ensinamentos de um ou de outro, ou seja, teríamos que optar entre a virtude ou o pecado. Mais se não há mais o conceito do que é virtude (o que devemos fazer) e o que é pecado (o que não devemos fazer), como podemos optar pela certa? Lembre-se: você prometeu deixar o casaco no cabide - dizer que o caminho de deus, da bondade e da virtude é o certo seria o mesmo que vestir o casaco...

Agora é o momento oportuno para reiterar: em momento algum deixo de crer na força e no poder de uma energia superior a qual alguns costumam chamar de Deus, outros de Buda, outros mais de Deusa, ou ainda Alá, e assim por diante. O que peço é simplesmente que o leitor dispa-se do conjunto de noções predeterminadas e assuma que não há, a priori, o certo e nem o errado. Sábios são os chineses que figuram as polaridades do universo da seguinte forma:


Nessa figura, predominantemente curva, vemos o positivo, yin, branco, em perfeito equilíbrio com o negativo, yang, preto. Ou seja, ambos necessitam um do outro para existir. Mais do que isso, o círculo branco na metade preta indica que mesmo no negativo há positivo, e o círculo preto na metade branca indica que, mesmo no positivo, existi o negativo. Não a noção de bem se não se conhece o mal. Portanto, o bem e o mal, apesar de antagônicos, andam de mãos dadas...
Posto isso e agradecendo milenar colaboração da sabedoria chinesa, vamos prosseguir com o nosso raciocínio: temos já ideia de que não sabemos o que é o bem ou o mal ( pois tiramos o casaco ), mais sabemos que ambos existem e, mais do que isso, coexistem.
Ao assumirmos que não sabemos o que é certo e errado, não podemos afirmar que deus é bom e o Diabo é ruim. Blasfêmia! gritara o leitor. Não!, responderá o autor, pois nós tiramos o casaco!
Apenas como ilustração: Quando deus destruiu Sodoma e Gomorra, pois a população de ambas as cidades estavam corrompidas, fez ele o bem, para erradicar uma saga do mundo, ou teria ele praticado o mal, pois matou milhares de pessoas? Claro que fez o bem, extirpando um câncer que havia nos tecidos da humanidade. Isso no ponto de vista cristão, pois somos doutrinados a acreditar que o que as pessoas faziam em Sodoma era errado. Mais e se fosse certo? Quem nos garante, e baseado em que cremos que todos aqueles homens, mulheres e crianças mereciam a destruição? Deus nos garante, e as pessoas se baseiam na palavra dele. Portanto não lhes cabe questionar. Mais se dissermos isso, mais uma vez estaremos vestindo o casaco? Acho que vou escondê-lo para que ninguém mais pense em vesti-lo até o final do texto...
Outro exemplo: imagine-se como um selvagem na floresta. Seu estômago doe de fome, pois a três dias que você não come nada desde que seu grupo foi atacado por uma tribo rival, e você acabou por se separar dos demais. De repente, você avista, bebendo água no riacho, um lindo gamo ainda novo, mais já bem encorpado. Você se abaixa e se aproxima-se sorrateiramente pro entre as moitas de urze, até que o gaminho esteja ao alcance de um arremesso de lança. Você atira e... bingo!!! Presa fácil - e alimento garantido.
Se nos situarmos num ponto de vista absolutamente neutro você estava certo ao matar o gamo?
Tudo bem, era uma questão de sobrevivência. Mais isso justifica tirar a vida de um animal novo, ainda em desenvolvimento? E do ponto de vista dos gamos, é correto? Acho que não...
Então chegamos a conclusão de que a noção de certo e errado varia de um ponto de vista para o outro; no exemplo: pelo modo de ver dos selvagens, nada mais justo do que matar um animal para própria sobrevivência. Já pelo modo de ver dos Gamos, nada mais injusto do que um animal jovem ter a sua vida ceifada covardemente por um animal de outra raça. Eis aqui a ambiguidade dos fatos: depende da versão que adotamos. Depende do referencial adotado.
Estamos ja com quase todas as peças do quebra-cabeça em mãos. Falta pouco para chegarmos ao objetivo final, à conclusão desse raciocínio.
Se não conseguirmos nos desvencilhar das noções de bem e mal, situando-nos num ponto neutro, espero que sejamos também capazes de, num esforço terrível de imaginação, admitir que o Diabo também pratica o bem, e que deus também pratica o mal. O casaco deve ficar onde esta! Lembre-se, na figura chinesa, de bola preta na metade branca e da bola branca na metade preta?
Talvez essa seja a parte mais delicada de toda ideia.
É, porém, a última, e peço ao leitor que tenha um pouco mais de paciência antes de pensar em internar esse autor num sanatório.
Na reta final do meu raciocínio, temos já as peças do quebra cabeça dispostas da seguinte forma:
Estamos todos despidos temporariamente de todas as nossas crenças, em verdades absolutas, ou seja, estamos situados num ponto totalmente neutro, de onde observamos que forças extremamente antagônicas acabam na verdade se confundindo num mesmo plano.
Passemos agora ao desfecho desta teoria: após todo o nosso esforço em transmitir e assimilar esse conjunto de ideias, chegamos a conclusão de que, para que algo seja absolutamente perfeito, é necessário que possua um total equilíbrio entre forças antagônicas. O bem e o mau, a verdade e a mentira, a luz e as trevas, o prazer e a dor. Ou seja: o antagonismo total é a harmonia total. O paradoxo é que gera a perfeição. O caos é o equilíbrio.
A perfeição absoluta é, portanto, o 100%, o todo absoluto, o conjunto de todas as coisas, em todos os planos, e que, caminhando em direções diametralmente opostas, chegam ao mesmo ponto...
Não é correto, então dizer que praticando somente o bem chegamos a perfeição. A perfeição é saber praticar tanto o bem quanto o mal.
Essa ideia não é uma apologia a maldade, nem um estímulo para que saiamos a pratica-la. Até por que a noção de maldade que conhecemos não existe mais desde que penduramos o casaco no cabide ao lado.
Espero ter atendido o objetivo desse trabalho, que é passar a noção da ambiguidade das "verdades" e também admitir que a perfeição é o conjunto de todas as coisas, boas e más, pois na verdade não há bem e mal; há, isto sim, preceito que nos levam a crer que o bem é bom, e que o mal é ruim. A perfeição absoluta é tudo.
Agora é hora de pegar o casaco do cabide, vesti-lo e retornar ao mundo de nossas convicções.


Por Claudio Crow Quintino - Do livro A Religião da Grande Deusa (Algumas datas do texto foram alteradas)

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